A adoção "intuitu personae" e possíveis medidas para combatê-la
Resumo
A adoção intuitu personae é uma prática comum no Brasil, muito embora o Estatuto da Criança e do Adolescente a permita apenas em situações bem específicas. Tendo em vista que referido diploma legal é regido por uma gama de princípios, cujo objetivo é resguardar os direitos da criança e do adolescente, nem sempre a observância estrita das regras nele constantes atenderá ao seu melhor interesse, o que ocorre também nos casos de adoção direta. Assim, ante a prática da adoção intuitu personae, deve-se analisar a existência de vínculos de afinidade e afetividade. Caso inexistam, torna-se possível, a depender do caso, a busca e apreensão da criança ou do adolescente, a fim de que estes sejam adotados por pessoa preparada. Caso os laços existam, a manutenção do infante sob os cuidados de seu guardião é a medida que melhor atende ao seu interesse, porquanto sua retirada do seio da nova família lhe traria consequências trágicas. Considerando, porém, os danos coletivos causados ao direito que a criança e o adolescente têm de serem adotados por quem se encontra em melhores condições para exercer o papel de mãe ou pai e aos pretendentes cadastrados no Cadastro Único de Adoção (CUIDA) que foram preteridos, é possível a propositura de ação civil pública visando ao pagamento de prestação pecuniária ao Fundo Especial para a Infância e Adolescência (FIA), como forma de responsabilizá-lo e de prevenir que casos dessa natureza se perpetuem.
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