A (in)efetividade do artigo 41 da Lei Maria da Penha sob o viés de proteção da mulher em situação de violência

  • Rene José Anderle Ministério Público de Santa Catarina
Palavras-chave: Violência doméstica, Lei Maria da Penha, Juizados especiais

Resumo

No período compreendido entre a vigência das Leis n. 9.099/95 e n. 11.340/2006, constatou-se que o procedimento sumaríssimo se revelou falho em garantir os direitos das mulheres. A violência doméstica foi vista como crime de menor importância, sem considerar o comprometimento emocional e psicológico das vítimas. A Lei Maria da Penha, em seu artigo 41, vedou a aplicação da Lei dos Juizados Especiais nos casos sob sua égide. Foram instituídos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a fim de melhor atender as mulheres em situação de violência. Passados treze anos da vigência da Lei n. 11.340/2006, verifica-se que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM) não atingiram o objetivo preconizado. A resposta do Estado à violência doméstica, em regra, é regida pela lógica retributiva e punitiva, sem investimentos expressivos em soluções alternativas dos conflitos, o que vai de encontro às expectativas das mulheres vítimas. É necessária uma ruptura paradigmática para que o Estado passe a dar respostas consonantes aos anseios das mulheres em situação de violência. A possibilidade de aplicação da Lei n. 9.099/95 aos casos de violência de gênero, com algumas adequações, pode ser mais efetiva e protetiva que sua não aplicação, além de estar em sintonia com o que esperam as vítimas.

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Publicado
2021-05-24
Como Citar
ANDERLE, R. A (in)efetividade do artigo 41 da Lei Maria da Penha sob o viés de proteção da mulher em situação de violência. Atuação: Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense, v. 16, n. 34, p. 192-215, 24 maio 2021.
Seção
Dossiê